Há dias, enquanto falava com alguém de quem gosto muito, e digo gosto muito porque dizer outra coisa parecia demasiado, talvez por cobardia ou só por preguiça de lidar com o depois, dei por mim a pensar no quanto me apetece mais. Mais conversa, mais tempo, mais intimidade desajeitada. Mais daquilo que não se diz mas se sente nos gestos pequenos, nos silêncios bem encaixados. E, claro, no instante a seguir, veio aquele pensamento patético que nos assalta sempre que estamos bem com alguém: será isto o amor eterno? Talvez sim. Ou talvez só me apeteça um café com ela outra vez. O coração às vezes exagera, e está tudo bem.
Falámos de tudo e de nada, e enquanto ela contava uma história qualquer que já não lembro, eu lembrei-me do meu avô. Daquelas frases dele que, quando somos novos, soam a clichê e mais tarde percebemos que eram lemas de vida doutros tempos. Ele dizia: “Se não podes ter tudo, o nada é a verdadeira perfeição.” E eu achava aquilo uma seca. Agora não acho. Agora percebo.
O nada, afinal, tem uma elegância que o “quase” raramente consegue ter. O nada não arrasta, não complica, não finge. É como aquelas pessoas que dizem logo o que sentem e não fazem jogos. Às vezes, escolher o nada é a forma mais digna de dizer: isto não me serve. E isso, embora pareça um gesto de desistência, pode ser exatamente o contrário. Pode ser uma forma de não nos perdermos. De não aceitarmos migalhas quando já tivemos banquetes. Ou quando sabemos perfeitamente que, se quiséssemos mesmo, seríamos capazes de os preparar.
Mas a verdade é que, mesmo percebendo tudo isto, mesmo tentando convencer-me de que o nada é limpinho e elegante e maduro, eu queria mais. Queria um bocadinho mais do que esse nada tão inteligente. Queria, pelo menos, um lugar onde o nada se sentasse ao meu lado, olhasse para mim e dissesse “não vamos a lado nenhum, mas gosto de estar aqui contigo”. Há formas de estar que são quase tudo mesmo quando não são nada.
Há quem fale muito e não diga nada. E há silêncios que dizem tudo. John Cage 4’33.
É isso.
O nada nunca é mesmo vazio. Está cheio de nós. Do que não dissemos, do que queríamos ter dito e do que, por milímetros, quase foi.
E depois vem aquele medo parvo. O medo de dizer demasiado e estragar. O medo de pedir e não receber. De parecer frágil, intenso, ridículo. E calamo-nos. E fingimos que a tal “estima” chega, que é suficiente, que estamos muito bem assim, meio desconfortáveis mas seguros. Porque há um conforto qualquer na falta de expectativa. É muito mais fácil lidar com o vazio do que com aquilo que está quase a encher-se mas que pode cair ao chão a qualquer momento.
E é aqui que percebo o que o meu avô queria dizer. O nada é perfeito porque não se parte, não se engana, não nos desilude. Mas também não aquece, não acarinha, não deixa marca.
No fundo, o que eu queria era só um lugar no meio. Sem ser um “lugar comum”, uma espécie de “nada com companhia”. Um silêncio a dois. Um quase que não doesse.
Um gesto que não exigisse nem prometesse. Só isso. Não precisava de tudo. Nunca precisei. Mas talvez, só desta vez, queria um bocadinho mais que nada. Só para não ficar a pensar que deixei escapar qualquer coisa que podia ter sido leve e bonita. E que, por medo, ficou só no quase.