Uma questão de perspectiva
Todos nós, ou quase todos, já tivemos a experiência de viver um filme como é o caso de “Táxi Driver”, o filme de Scorsese escrito por Schrader. E tivemos também a experiência de sentir com este filme algo de muito identificativo, muito nosso refletidos nas personagens do mesmo.
Um simples cidadão de Nova Iorque mostra-nos a sua perspectiva, com a sua lente, o que é a cidade que nunca dorme. Durante o filme conseguimos mesclar-nos com o personagem principal, um taxista que vive a parte numa cidade que pode engolir e cuspir-nos. Onde é que já vi isto? O que o diretor e o escritor do filme pretendem é isso mesmo. Que os pensamentos entrem dentro de nós, que vejamos tudo do ponto de vista de Travis. Absorvemos as qualidades e defeitos. Ninguém é perfeito.
Quem viu e quem vê, como eu pelo menos uma vez por ano, fica envergonhado e quer afastar o olhar quando Travis decide levar Betsy, papel interpretado pela enorme Cybille Sheperd, a um filme pornográfico, para espanto da atriz.
Caraças, como é que podes levar uma mulher feita e escrita para ser angelical mas com pontos de vista vincados, com ideais e pensamentos de progresso a um filme daqueles para uma primeira saída.A dissociação leva-nos a cometer erros fatais. Também a apresentação que temos do personagem principal não é a mais simpática. Ficam as frases como “Loneliness has followed me my whole life. Everywhere. In bars, in cars, sidewalks, stores, everywhere. There's no escape. I'm God's lonely man”. Que nos acompanha enquanto viajamos por uma cidade suja. Soturna. Que se assemelha mais a uma selva de arranha-céus que outra coisa. Isola-nos. Senti isso. Todos os detalhes e todas as sensações estão lá. Arrepiam-me por me subir pela pele. Vi a loucura apoderar-se dele. A medicação, as armas. A primeira morte naquele minimercado 24/7. Haverá talvez uma causa de exclusão de ilicitude para tal…A linha de alucinação que existe entre a realidade e a fantasia é ténue. Andamos muitas vezes na corda bamba, na linha que separa. Belisquei-me. Porque a fantasia pode ser tão real quanto a nossa vida. O sonho é real. A paranóia também. A personagem pode não estar a ser perseguido mas acredita que está. E é aí que encontramos o turning point que pode ou não dividir em dois o filme.
Todas as características e detalhes estão lá. Entregues numa bandeja. Não vê quem não quer. Por muito que se cruzem outras histórias e outras realidades durante os atos temos sempre a ideia de que algo não está certo. Atinge-nos.
Este filme é e será sempre um marco importante para quem vê cinema. Transição. Camadas de psicologia. Identificação com a personagem. Dissociação. Por muito que nos queiramos afastar existe uma sensação de pertença aos sentimentos. Porque as cidades engolem-nos. O sol brilha muita das vezes mas as nuvens entopem-nos o pensamento e fazem-nos descer uma avenida suja.